Cientistas usam calendário de parede para monitorar produção de açaí por ribeirinhos
- Publicado: Terça, 21 de Mai de 2019, 10h12
- Última atualização em Terça, 21 de Mai de 2019, 10h17
Por: Dulcivânia Freitas (Embrapa Amapá)
Pesquisadores da Embrapa criaram uma solução simples para sanar a falta de dados sobre a coleta familiar em açaizais nativos no norte do País, que é feita geralmente em locais de difícil acesso. O grupo do engenheiro florestal Marcelino Guedes, da Embrapa Amapá, adaptou um calendário de parede para que as próprias famílias ribeirinhas possam anotar, diariamente, quanto açaí coletam e a quantidade consumida. Com a ferramenta simples, os pesquisadores descobriram, por exemplo, que algumas famílias grandes costumam consumir mais do que vender o fruto e que o consumo médio gira em torno de pouco mais de 20% do total coletado na região estudada.
A falta de dados sempre foi um desafio para os pesquisadores da área, pois apesar do aumento da comercialização do açaí e da ampliação dos estudos sobre a espécie, ainda não se tinha acesso ao volume de produção dos açaizais nativos e, principalmente, o quanto dessa coleta era consumida pelas famílias extrativistas. Guedes informa que a lacuna nos dados pode gerar subestimativas da capacidade produtiva dos açaizais nativos, pois é comum obter os números da produção só a partir da fase da comercialização. Além disso, monitorar regiões alagadas, isoladas e de difícil acesso, onde ocorrem os açaizais, não é tarefa fácil. Para complicar, a confiabilidade das informações depende de um acompanhamento regular, praticamente diário, o que exige a permanência do coletor dos dados no local.
Ao examinar esses desafios, a Embrapa desenvolveu o calendário adaptado no qual um membro da própria família produtora anota diariamente a quantidade de açaí consumida e vendida. Guedes ressalta que esse método participativo já foi utilizado para avaliar atividade de caça, e pela primeira vez é validado para acompanhar a produção de açaí.
O procedimento não deve ser confundido com a construção participativa de calendários sazonais de produção, comuns na área agrícola. “No caso desses, são construídos a partir de relatos populares e científicos, para definir os melhores períodos para plantio e épocas de colheita das culturas. No caso do calendário do açaí, o monitoramento depende da anotação da produção pelos próprios membros da família”, esclarece o pesquisador.
Em famílias numerosas, consumo é maior do que as vendas
O método recomendado pela Embrapa resulta de uma experiência realizada com moradores agroextrativistas do Estuário Amazônico (ponto de encontro entre o rio e o mar, entre os estados do Amapá e Pará), mais precisamente da Ilha das Cinzas, município de Gurupá (PA). Analisando os dados anotados nas folhas do calendário, a equipe observou que, naquela comunidade, o consumo médio das famílias moradoras foi de 23,3% do total produzido no período de um ano e meio. Em alguns casos, de famílias mais numerosas, o volume consumido chegou a ser maior do que o comercializado.
Naquele ambiente, o método foi aplicado, testado e validado envolvendo diretamente 50 famílias durante um ano e meio, entre 2015 e 2016. Além da Ilha das Cinzas, outras comunidades demonstraram interesse nos calendários. Assim, novos calendários foram confeccionados e distribuídos em mais cinco comunidades, com apoio do Projeto Bem Diverso.
A equipe técnica recomenda que o calendário adaptado para monitoramento da produção (consumo + venda) de açaí seja institucionalizado pelos órgãos de extensão rural, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a fim de aperfeiçoar a quantificação do potencial produtivo dos açaizais nativos da região.
Passando as folhas do calendário
De acordo com os pesquisadores, o ponto de partida para inspirar o método de anotações diárias nas folhas do calendário surgiu da observação de que o formato de calendário anual de parede, com um mês em cada folha, é amplamente usado e bem aceito nos lares brasileiros, principalmente na zona rural. “A contagem dos dias na semana e nos meses ajuda na organização dos compromissos, especialmente para pessoas que se encontram geograficamente isoladas e dependem de longas viagens. Os ribeirinhos têm nos calendários o apoio necessário para planejamento das atividades familiares”, diz Guedes.
A simplicidade do calendário adaptado e a necessidade de envolvimento de jovens da comunidade são considerados dois pontos de destaque para explicar os bons resultados alcançados com o uso dessa ferramenta. No geral, os produtores ribeirinhos não têm o hábito de anotar a produção, e a equipe verificou que muitos têm dificuldades na leitura e escrita, enquanto os filhos apresentam grau de escolaridade compatível com a responsabilidade de anotar os dados diariamente no calendário adaptado.
A equipe ressalta que o calendário é para uso da família e que as informações sistematizadas são importantes também para a própria gestão dos açaizais. Por isso é importante treinar a comunidade para a anotação correta e para a realização de análises. “Mesmo quando existe uma equipe técnica que pode ajudar com a sistematização, o ideal é que membros de cada núcleo familiar consigam sintetizar e analisar os dados. Para isso, também são apresentados no comunicado recomendações e exemplos de como as informações podem ser organizadas para facilitar as análises”, acrescenta o cientista da Embrapa.
Para validar a ferramenta, a Embrapa contou com parceiros como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no financiamento de bolsas para os acadêmicos; e a Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas (Ataic), proponente e executora do projeto “Manejo Comunitário Integrado de Recursos Naturais no Estuário Amazônico”. Outros parceiros são a Financiadora de Estudo e Projetos (Finep), que custeou o projeto na Ilha das Cinzas; e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD/Fundo Global para o Meio Ambiente - GEF, que patrocina o projeto Bem Diverso, o qual está propiciando a ampliação do uso dos calendários para monitoramento da produção de açaí.
Fonte: Embrapa
Foto: Maria Silveira